Recebi um email, que iniciou sua viagem na França, passando por Brasília, vindo parar finalmente em minha caixa postal.
Ele me incumbia de uma tarefa importante. Tarefa esta, que consistia em imprimir a foto de uma carta, que veio em anexo, e entrega-la ao meu amiguinho Aramis.
Aramis é um dos bons amigos que consegui conquistar nessa vida. Desses que se orgulham de nossos feitos e que, numa contrapartida irresistível, nos orgulhamos dos feitos dele.
Figura doce e cativante, Aramis nunca passa um dia sem me fazer uma visitinha, nem que seja um breve alô do parapeito de minha janela.
Um dos maiores exemplos de sua personalidade, foi a construção, no alto de um caramanchão, de uma pequena plataforma, onde todas as manhãs, religiosamente, coloca bananas, mamões e outras frutas da estação. Em poucos minutos começam a aparecer os sabiás, sanhaços, bem-te-vis, entre outros passarinhos de menor porte.Todos livres moradores da região, que encontram em Aramis um garantidor de parte de sua dieta alimentar.
O xodó da casa é um bem-te-vi macho e
perneta. O bichinho não tem uma de suas pernas, provavelmente perdida por ter pisado em alguma ratoeira. Fatalmente não estaria vivo, não fosse o “restaurante popular do caramanchão”. A verdade é que apesar de perneta, o bicho não dá moleza para os concorrentes. É como se fosse o “Rei do Pedaço”.
...Bem, mas voltando à minha incumbência, dei uns retoques de photoshop para aumentar a nitidez, e a impressão foi feita.
No dia seguinte, logo cedo, entreguei o impresso ao meu querido amigo, tomando o cuidado de não lhe dizer o teor da carta. Afinal de contas, eu era apenas o portador e não o orador da mensagem.
Inicialmente ele leu em voz alta, mas com o decorrer das palavras, foi diminuindo o volume da fala, até um quase imperceptível balbuciar. Eu estava ansioso para que ele terminasse logo com a leitura e nós conversássemos sobre o assunto. Mas ele interrompeu sua leitura silenciosa para pronunciar apenas uma frase:
- É uma carta do Papai!
(Na verdade era a foto de uma carta de 1968, que seu pai havia enviado para uma das netas.)
Nesse momento olhei para seu rosto marcado, e pude ver dentro de seus olhos envelhecidos, não a menina dos olhos, mas os olhos de um menino.
O mesmo menino que teve, na figura de seu pai, o primeiro herói.
O mesmo menino que um dia teve que crescer e seguir a vida sozinho.
Nesse momento percebi que não tínhamos mais nada para conversar.
No dia seguinte, logo cedo, entreguei o impresso ao meu querido amigo, tomando o cuidado de não lhe dizer o teor da carta. Afinal de contas, eu era apenas o portador e não o orador da mensagem.
Inicialmente ele leu em voz alta, mas com o decorrer das palavras, foi diminuindo o volume da fala, até um quase imperceptível balbuciar. Eu estava ansioso para que ele terminasse logo com a leitura e nós conversássemos sobre o assunto. Mas ele interrompeu sua leitura silenciosa para pronunciar apenas uma frase:
- É uma carta do Papai!
(Na verdade era a foto de uma carta de 1968, que seu pai havia enviado para uma das netas.)
Nesse momento olhei para seu rosto marcado, e pude ver dentro de seus olhos envelhecidos, não a menina dos olhos, mas os olhos de um menino.
O mesmo menino que teve, na figura de seu pai, o primeiro herói.
O mesmo menino que um dia teve que crescer e seguir a vida sozinho.
Nesse momento percebi que não tínhamos mais nada para conversar.
Eu vi o menino dos olhos de Aramis. Eu vi o menino que gosta de ver os passarinhos soltos.
Eu vi um menino de oitenta anos.
Marcos Santos
Rio de Janeiro
Desenho "Roda Pião" de Marcos Santos
Fotos Marcos Santos