Da escotilha superior
pude observar a olho nu, o módulo de exploração distanciando-se da
nave mãe, que pairava numa órbita segura. Fiquei observando-a até
tornar-se apenas um ponto brilhante no espaço.
Lá estava a minha única ligação com a Terra e a partir de agora eu estava só.
Meu destino? Calisto,
terceira maior lua do Sistema Solar e segunda maior de Júpiter.
Durante a descida pude
observar o planeta gigante nascendo no horizonte. Diferentemente do
que observamos na Terra, ao nascer da Lua e no alvorecer do Sol,
Júpiter ocupa um espaço muito maior no céu "calistiano", nos dando a
impressão de que o satélite será tragado a qualquer momento pelas
gigantescas tempestades do planeta.
Com um controle
totalmente automatizado e inteligente, o módulo de descida favorece
as observações obtidas visualmente por seu piloto. Pena que
devido ao reduzido espaço interno, apenas um tripulante possa usá-lo
por vez, o que causa uma certa depressão devido ao isolamento.
Eu não sei bem como
cheguei a esse ponto em minha vida, mas acredito que essa perturbação
mental possa ser um efeito colateral da proximidade com um planeta
tão grande como Júpiter (sua massa é 318 vezes à da Terra), o
que restringe minhas lembranças antigas...mas consigo manter-me focado em
meus afazeres de piloto e é isso que importa no momento.
Vejo o solo aproximando-se rapidamente. Sinto um forte sacolejo e finalmente alunizo em
Calisto.
É muito boa a
experiência de pisar num mundo nunca antes pisado por alguém. Dá
uma certa angústia, mas a sensação é única.
Durante o dia, que dura
cerca de oito dias terrestres, posso ver nosso Sol, de brilho tênue
devido à maior distância da Terra, mas que ainda consegue iluminar
todo o hemisfério gelado de Calisto.
Aproveito essa
claridade para instalar os equipamentos de exploração e observação.
Faço toda parte exploratória enquanto faltam 48 horas para a
noite. Noto uma superfície tremendamente irregular e seu imenso
número de crateras indicam que em algum período de sua existência,
Calisto foi duramente bombardeada por asteroides, cometas, meteoros,
meteoritos e todo tipo de precipitações cósmicas.
Finalmente a noite
chega novamente e não consigo tirar os olhos de Júpiter, o planeta
gigante que paira lindo no céu noturno de Calisto. Meu objetivo é
tentar explicar a influência gravitacional de Júpiter no aquecimento do núcleo do satélite, daí a importância em aguardar a chegada da noite,
pois é o período em que o planeta gigante eclipsa totalmente o
Sol...mas...espere...há algo errado comigo.
Subitamente sinto uma
ardência em minha testa, acima do olho direito. Fito com os olhos e
vejo uma pequena fissura na lente de meu traje espacial.
Provavelmente o incômodo seja efeito da atmosfera gelada de
dióxido de carbono entrando no capacete...mas a ardência aumenta e
instintivamente tento tocar o local com o dedo médio. Sinto um
pequeno estalar de uma microbolsa na ponta do dedo, de onde sai algo
úmido e viscoso. Em seguida abro os olhos. Meu dedo está com a
digital suja de sangue e...
...O mosquito filho da puta que me acordou estava morto. Calisto era coisa do passado.
Marcos Santos
Imagem da sonda Cassini-Huygens mostrando Júpiter, Calisto (canto inferior esquerdo) e Europa (no canto inferior esquerdo da Grande Mancha Vermelha).