16.5.09

O Borrateiro


Lendo um texto do meu amigo Carlos Oliveira sobre o "barroso", lembrei-me de uma história correlata. Foi um fato verdadeiro, onde algum exagero pode vir a ocorrer (coisa de garoto que conta lorotas).



Eu tinha uns...sei lá, doze, quatorze anos. Foi no casamento de meu primo mais velho Mozart, com uma "nãosei" chamada Rosa. Aliás, um doce de pessoa. O casamento seria em São paulo, terra que minha tia Preciosa adotou desde moça e onde criou seus dois filhos, meus primos. Minha família, toda carioca, partiu do Rio em caravana para a grande festa matrimonial. Chegamos na casa de meu primo, no bairro de Cidade Dutra, praticamente ao mesmo tempo. E isso no dia do casamento, o que deve tê-lo atrapalhado bastante, pois receber toda uma tropa de farofeiros e se casar no mesmo dia, deve ser algo complicado. Algo que meu primo fez com tranqüilidade. 
...Mas veio o casório e em seguida os comes e bebes. A melhor parte estava reservada para o dia seguinte.

O pai da Rosa, um agricultor japonês, quis fazer uma recepção para toda a família, em sua chácara no interior do estado. Lá ele mostraria um pouco da cultura japonesa, principalmente a culinária. Confesso que minha família, toda ela habitante do subúrbio carioca de quarenta, cinquenta...oitenta e tantos anos atrás, não tinha muita noção de que se comia peixe cru no Japão. Hoje a coisa mudou muito...restaurantes espalhados pela cidade, internet, televisão...hoje se come peixe cru em qualquer favela do Rio, mas naqueles tempos era assunto para a nata da sociedade carioca, não para um grupo de moradores de Realengo, acostumados com o ensopadinho de carne seca com repolho da tia Isaura (uma delícia, por sinal). Mas o anfitrião fez um belo banquete para nós. Lembro-me que tomou o cuidado de assar pernis de porcos para nossa família, caso alguém "arregasse" os sushis e sashimis.
Eu comi de tudo. Carne de porco com sashimi, carne de porco com sushi, carne de porco com molho shoyu, carne de porco com gohan, carne de porco com tempurá...foi uma beleza...e está claro que não ficaria bom por muito tempo.

Logo a mistura gastronômica começou a fazer efeito e meu drama passou a ser o de localizar um local aprazível para deixar com que a natureza fizesse seu trabalho de reciclagem. Procura daqui, procura dali, esbarrei com minha prima Lilica, grávida de sei lá quantos meses, que já tinha abortado...não o filho, mas a idéia de entrar no tal "borrateiro". Ela já estava partindo para o matagal mesmo, não sem antes me indicar o caminho da misteriosa e abominável casinha. Acho que ela deve ter-se divertido em me enviar para lá. E eu, menino inocente e puro...fui.

O borrateiro em questão tinha uma peculiaridade. Era uma casinha que sinceramente não lembro se tinha telhas ou se era a céu aberto, pois não tive como olhar para cima, sob pena de arriscar minha integridade. Mas a parte de baixo... essa era algo como a boca do inferno na terra, cujos detalhes já vou descrever.
Antes quero voltar a afirmar que minha prima "nãosei" Rosa, é um anjo de pessoa. De verdade. Mulher guerreira e batalhadora, que segurou a criação de seus filhos sozinha, após a morte prematura de meu querido primo, esse que na história estava se casando com ela...mas diante dos fatos não há argumentos...e eu estava sozinho no interior do borrateiro, diante de uma experiência única em minha vida.

A estrutura era simples, embora como já disse, não tenha reparado a parte de cima. Tratava-se de um cercado de madeira, com uma porta mambembe, com dobradiças rangendo e um trinco duvidoso. O piso era feito de ripas sobre um "pilotis" de madeira, sob o qual estava a visão infernal. Mais ou menos no centro do piso, havia a falta de uma das ripas. E seria ali, naquela fenda de uns quarenta centímetros de largura, eu iria despejar o que outrora havia sido o almoço da festa. Mas não sem antes observar os detalhes estruturais do engenho (criança é um bicho muito curioso).
Na direção da fenda havia uma tábua inclinada, que descia até mais ou menos metade da altura do "pilotis", no fim dessa tábua, havia uma outra, que descia inclinada no sentido inverso da primeira. Essa segunda tábua ia direto até a morada de Satanás, propriamente dita...a fossa cheia de merda, a imagem do Inferno na Terra.

Para tomar coragem, tentei fazer um xixizinho antes, de modo a observar o funcionamento da coisa. Algumas poucas moscas subiram e a vontade apertou. Arriei o traseiro sobre a fenda e mandei a primeira bomba. Fiquei obsevando o "general" descendo de escorregador na tábua inclinada e mandei o segundo míssil, um almirante a bordo de um cruzador.
Foi interessante observar a corrida entre o general e o almirante. Os dois chegaram praticamente juntos ao final da primeira sessão, mas na segunda o almirante disparou, chegando muito antes no fundo do mundo. Enquanto isso o general ia se arrastando, numa lerdeza irritante. Fiz mais um xixizinho na tábua e venci sua relutância, mandando-o para junto do almirantado e do alto comando militar que havia lá embaixo.

Depois de velho fui entender o funcionamento dessas casinhas. Tratam-se de estruturas itinerantes dentro da propriedade rural, sendo reconstruídas em outro local sempre que a fossa estiver saturada. A vantagem está na adubação natural e gratuita da terra, além da ausência da taxa de esgoto.
Pode ser feio e desconfortável, mas é muito útil.

E voltando ao assunto do escorregador de cocô... criança é um bicho engraçado, e numa hora dessas consegue tirar uma brincadeira e... porque não, uma lição:

"Mesmo entre os merdas... pode haver um vitorioso, não é mesmo?"

Marcos Santos

12 comentários:

Carlos, um jeito tabajara de ver a vida disse...

Sensacional, Marcão. Fui a uma fazenda em que o banheiro, dentro da casa, era um buraco no chão, e embaixo do buraco era o chiqueiro dos porcos. Voce fazia, e eles comiam tudo. Fiquei com medo de levar uma dentada, confesso.!!!!!

Francisco Coelho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Francisco Coelho disse...

Me lembrei da estoria do passarinho que estava no pasto com um puta frio e de repente uma vaca soltou o barro em cima dele,e graças ao calor do mesmo o passarinho não morreu de frio

Moral da estoria nem sempre aquele que te poem na merda quer o seu mal

Luiz Santilli Jr disse...

Marcão, linda historinha!
O Chico contou a pela metade sua historinha de merda: (to be continued)"... então veio um gato e tirou o passarinho do meio da bosta e o abocanhou!"
Moral continuada "...e nem sempre quem te tira da bosta quer o teu bem!"

Nos idos de 1967, voltava eu de uma rallye pelo norte do país.
Vinha de fusca e antes da divisa de Minas com São Paulo, parei para comer uns abacaxis deliciosos, à beira da estrada!
Meu companheiro achou estranho o gosta da dita fruta e não comeu, mas eu, gulosos e com sede e fome, comí uns dois inteiros.
Garrei a dirigir e de repente a barriga começou a roncar.
Só quem já passou por isso sabe o que se passa na nossa cabeça!
Já não tinha mais posição para me sentar, a coisa estava na porta de saída.
Não havia local algum que não fosse o mato, mas eu não saberia fazer aquilo no mato!
Passamos por uma ponte, eu até pensei em me jogar no rio!
Era a divisa com São Paulo.
Mais uns 500 metros ví uma casinha!
Parei e corri para lá, tinha certeza que ela me salvaria!
E não é que ao abrir a porta já quase borrado, dei de cara com um vaso sanitário limpo, com tábua e até papel higiênico.
Ainda deu tempo de sentar e deixar o carro andar!
Viva a Polícia Rodoviária de São Paulo de 1967!!

Raquel disse...

Amigo, ótima história e gostei muito do projeto arquitetônico na foto, teve ajuda da Denise? hehehe
Também curti ver como sua história inspira outras....
Uma ótima semana!
Bjos

Lau Milesi disse...

Ahahahha...mais um para me fazer rir .. e muito. Marcos, como diz o meu filho, soltou um barro esperto.rsrs My God!!!
Bela história sobre o Moreno (outro cognome)srsrs Barroso.

Beijossss

Anônimo disse...

Rsssssss!!! Isso eh verdade mesmo?? Ja vi essas "casinhas" em revistas e gibis. Mas os nossos banheiros quimicos naum ficam muito atras, neh?

Abs,

Anônimo disse...

Marcos

Adorei ler sua crônica . Lembrei do filme Quem quer ser um milionário e nas cenas podemos ver os costumes da Ìndia que é até bem pior que essa que voce viveu.

Paulo-Roberto Andel disse...

O, Marcão, eu que agradeço tua presença, pois. O time era realmente uma máquina: tão bom que venceu muito pouco mas até hoje é lembrado (vi o restinho, ainda criança). Futebol é demais: é paixão, é desejo, é vida permanente - perde-se na quarta, já se pensa o domingo. Sobre o GO, foi uma boa experiência: três ou quatro cadáveres vivos, a viver de denegrir o que não sabem fazer, mas setenta ou oitenta pessoas legais. E vamos em frente.

Um grande abraço, muito boa sua visita e apareça, pois!

Unknown disse...

Ficou muito legal a chamda para assinatura do abaixo-assinado para a inclusão do direito à alimentação na constituição. Acho que vou copiar a idéia de vocês para não ter que ficar republicando o texto sempre. Bjks

Beatriz Lo Russo disse...

Voce não tem jeito, Marcos!!!
Quase rolei de rir lendo a sua saga no borrateiro!!!!!!!
Já vi, há muuuuuuito tempo atrás, estes banheiros ao ar livre, e aliás já cheguei a usar em uma casa de veraneio na Bahia, alugada pela minha família! Te garanto que é mesmo uma visão do inferno... E o medo de cair lá dentro??????
bjsssssssssssssssssss

Lengo D'Noronha disse...

Boa crônica.
Abraço.

Bom dia. fotografia, natureza, NatureBeauty, riodejaneiro, recreiodosbandeirantes, photooftheday, photography