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12.6.20

O Mendigo Molhado - Túnel Acústico - Gávea

Como estava ao volante e o local é muito movimentado, não tive condições de fotografa-lo. Mas essa foto vale como metáfora.



O corpo encharcado demonstrava toda a condição vivida
por um ser solitário e abandonado.


Nem mesmo a sujeira de sua indumentária permanecia solidária, visto que a força das chuvas arrancavam-na,
transformando-a em lama fétida.



A enxurrada que caía sobre ele, era o contado mais íntimo que a muito não tinha,
visto que até aos ossos penetrava.


A torrente fria que lhe cobria
era seu único aconchego.


Conforto sem conforto,
sem leira nem beira,
... sem ninguém...


Apenas um pedaço pensante de carne, ainda viva.
Depósito de anticorpos e defesas bacteriológicas.
Laboratório vivo promíscuo.
Produtor de odor, suor, fezes e urina.

Um vivo morto.
Um morto vivo.
Um Ser Humano Urbano.
Um Ser do trânsito.

Como um poste,
um bueiro,
uma placa,
uma sarjeta.



Uma Sociedade Fraterna, nunca deve fechar seus olhos para aqueles que realmente necessitam.
Eles não podem passar desapercebidos.

Marcos Santos

12.7.15

Food Bike



Algumas novidades são mostradas com um certo grau de euforia pela mídia atualizadíssima. Essa é da revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios. É coisa de CEOs.
A última foi a de vendas sobre triciclos com pedais, que a mídia faz questão de chama-los de Food Bike, para que não hajam dúvidas sobre o caráter inovador da invenção. Além é claro, de serem ecologicamente corretos. 
A foto conseguida através de câmeras especiais, que registram o futuro, está aí e não deixa dúvidas sobre o que virá.


Isso resolveu um dilema. Meu avô era um viajante no tempo.

Marcos Santos 
Rio de Janeiro


30.1.13

Viagem no Tempo

Aproveitando que até o Papa já se prepara para a existência de ET's, escrevi minha opinião sobre esse tema, que muito me instiga.

Extraterrestres? Será?

A partir do enunciado da Teoria da Relatividade, com a colaboração da Mecânica Quântica, abriu-se a possibilidade de viagens no tempo. Na prática isso tem-se mostrado inviável devido às tecnologias disponíveis. O grande cientista Stephen Hawking admite, através da teoria dos buracos-de-minhocas, a possibilidade para tal viagem. Contudo, o mesmo Hawking joga uma ducha de água fria sobre o assunto, quando afirma que se houvesse tal viagem, já teríamos encontrado com os homens do futuro. É nesse ponto que minhas dúvidas entram na história.

Observando fósseis dos animais pré-históricos, aprendemos a distinguir nossos antepassados, além dos antepassados de tudo que vive na terra. Baleias com pernas e patas, peixes com pernas...até chegarmos no australopitecos. Este tem sido considerado o nosso antepassado mais remoto. Se compararmos nossas características com as dele, levando em conta os três milhões de anos de evolução transcorridos até aqui, poderemos imaginar que, daqui a mais três milhões de anos na direção do futuro, as características de nossos descendentes serão bem diferentes das nossas. Com certeza, para nossos descendentes, seremos algo como os tímidos australopitecos são para nós, quando comparados com eles.

...Muito se fala em Deuses Astronautas, como sendo seres extraterrestres que aqui estiveram e por algum motivo ensinaram as civilizações do passado a construírem suas grandes obras. Pirâmides monumentais e esculturas monolíticas, cuja fabricação nos dias de hoje ainda seriam obras para muitos anos, mesmo com todo o maquinário disponível.

As teorias advindas da mecânica quântica, da relatividade e outras mais, dão conta da possibilidade da viagem através do tempo. Provavelmente, a partir do controle do espaço-tempo, não separando o tempo do espaço, ou algo parecido com isso. Mas o que se sabe, com certeza, é o fato de hoje não termos tecnologia disponível para tal...mas...e se um dia tivermos?
 Hawking acredita que, se conseguíssemos no futuro, controlar o espaço-tempo ao ponto de viajarmos no tempo, já estaríamos encontrando nossos descendentes pelas esquinas. Mas e se nossos descendentes tivessem ido parar num tempo em que  nem esquinas existiam? Um tempo onde pequenos aglomerados humanos, aqui e ali, viviam exclusivamente da tentativa de sobreviver aos elementos da natureza. Mesmo um gênio como Hawking, poderia deixar passar despercebida, a possibilidade de que nossos descendentes teriam sido responsáveis pela construção daquelas obras fantásticas, nos quatro cantos do mundo. Do Egito ao México, da Mesopotâmia ao Peru, da Inglaterra à Ilha de Páscoa.

Outro dia, vendo um vídeo em que cientistas discutiam sobre os alienígenas do passado, notei a quantidade incrível de inconsistências encontradas por eles, no que tange aos estudos arqueológicos na área de grandes obras do passado.
A precisão de obras gigantescas, talhadas no granito, sem que houvessem tecnologias, nem ferramental necessários para confeccioná-los. A existência de vigas enormes, até para os guindastes de hoje, produzidas em bloco único de pedra, reforçam a possibilidade da utilização de tecnologia avançada para erguê-las e colocá-las onde estão.
Os historiadores preferem acreditar que os operários antigos, munidos de simples martelos e cizéis, bem como cordas vegetais para seu içamento, realizaram aquele trabalho.
 

 Curioso foi perceber que esses dados, simultaneamente, reforçam em mim a convicção de que nossos antepassados não teriam condições de construir tais obras, sem a ajuda de tecnologias avançadas, mesmo para os dias de hoje. Da mesma forma que  seria mais fácil nossos descendentes evoluírem tecnologicamente até chegarem ao ponto de viajarem pelo espaço-tempo, de maneira controlada até o passado, do que um extraterrestre vir até aqui, para meter-se com obras em pedras.
 Notem que a vinda de extraterrestres para cá, só seria possível com o mesmo domínio do espaço-tempo da hipótese anterior. A hipótese da chegada alienígena na Terra, praticamente viabiliza a hipótese da viagem no espaço-tempo de nossos descendentes, visto que ambas necessitam do mesmo princípio.

Então fica a pergunta:
Os humanoides descritos por pessoas supostamente abduzidas, com seus corpos similares aos nossos e suas cabeças e olhos grandes, poderiam ser considerados uma evolução de três milhões de anos a partir do homem moderno, assim como os australopitecos evoluíram no mesmo período de tempo até nós?

Agora imaginem, baseados na evolução tecnológica que tivemos na última década, como seremos tecnologicamente daqui a três milhões de anos?

Acredito nos Deuses Astronautas e acredito em vida inteligente extra terrestre, mas para mim, esses deuses, esses astronautas, seremos (ou fomos) nós mesmos.

Marcos Santos
25maio2012

23.9.12

Calisto




Da escotilha superior pude observar a olho nu, o módulo de exploração distanciando-se da nave mãe, que pairava numa órbita segura. Fiquei observando-a até tornar-se apenas um ponto brilhante no espaço.
Lá estava a minha única ligação com a Terra e a partir de agora eu estava só.
Meu destino? Calisto, terceira maior lua do Sistema Solar e segunda maior de Júpiter.

Durante a descida pude observar o planeta gigante nascendo no horizonte. Diferentemente do que observamos na Terra, ao nascer da Lua e no alvorecer do Sol, Júpiter ocupa um espaço muito maior no céu "calistiano", nos dando a impressão de que o satélite será tragado a qualquer momento pelas gigantescas tempestades do planeta.

Com um controle totalmente automatizado e inteligente, o módulo de descida favorece as observações obtidas visualmente por seu piloto. Pena que devido ao reduzido espaço interno, apenas um tripulante possa usá-lo por vez, o que causa uma certa depressão devido ao isolamento.
Eu não sei bem como cheguei a esse ponto em minha vida, mas acredito que essa perturbação mental possa ser um efeito colateral da proximidade com um planeta tão grande como Júpiter (sua massa é 318 vezes à da Terra), o que restringe minhas lembranças antigas...mas consigo manter-me focado em meus afazeres de piloto e é isso que importa no momento.
Vejo o solo aproximando-se rapidamente. Sinto um forte sacolejo e finalmente alunizo em Calisto.

É muito boa a experiência de pisar num mundo nunca antes pisado por alguém. Dá uma certa angústia, mas a sensação é única.
Durante o dia, que dura cerca de oito dias terrestres, posso ver nosso Sol, de brilho tênue devido à maior distância da Terra, mas que ainda consegue iluminar todo o hemisfério gelado de Calisto.
Aproveito essa claridade para instalar os equipamentos de exploração e observação. Faço toda parte exploratória enquanto faltam 48 horas para a noite. Noto uma superfície tremendamente irregular e seu imenso número de crateras indicam que em algum período de sua existência, Calisto foi duramente bombardeada por asteroides, cometas, meteoros, meteoritos e todo tipo de precipitações cósmicas.
Finalmente a noite chega novamente e não consigo tirar os olhos de Júpiter, o planeta gigante que paira lindo no céu noturno de Calisto. Meu objetivo é tentar explicar a influência gravitacional de Júpiter no aquecimento do núcleo do satélite, daí a importância em aguardar a chegada da noite, pois é o período em que o planeta gigante eclipsa totalmente o Sol...mas...espere...há algo errado comigo.

Subitamente sinto uma ardência em minha testa, acima do olho direito. Fito com os olhos e vejo uma pequena fissura na lente de meu traje espacial. Provavelmente o incômodo seja efeito da atmosfera gelada de dióxido de carbono entrando no capacete...mas a ardência aumenta e instintivamente tento tocar o local com o dedo médio. Sinto um pequeno estalar de uma microbolsa na ponta do dedo, de onde sai algo úmido e viscoso. Em seguida abro os olhos. Meu dedo está com a digital suja de sangue e...

...O mosquito filho da puta que me acordou estava morto. Calisto era coisa do passado.


Marcos Santos
Imagem da sonda Cassini-Huygens mostrando Júpiter, Calisto (canto inferior esquerdo) e Europa (no canto inferior esquerdo da Grande Mancha Vermelha).

18.8.12

Genésio é com "Z" ou com "S"?

 Brasileiro gosta de imitar o estilo de vida americano.
 É algo como o papagaio, que repete sem saber o significado daquilo que diz.

 Outro dia fui numa loja dessas de café, mas não uma loja de café servido na xícara quente, com colherinha e tudo. Foi numa loja que serve um café esquisito, num copo grande, de papel cartonado resinado.
 Notei que os fregueses fazem uma certa pose dentro da loja. Sentem-se como se estivessem na Quinta Avenida e não numa rua qualquer do Rio de Janeiro ou São Paulo. Mas fiquei curioso e entrei.

 Pedi o café no balcão e a mocinha me informou que antes deveria dirigir-me ao caixa. Assim o fiz. Chegando ao caixa fui atendido por um rapaz sorridente e fiz meu pedido: Um cappuccino, por favor.
 Bastaria ele informar-me do preço e eu pagar, mas além disso ouvi a pergunta: Seu nome, por favor?
 Para tomar café preciso informar o meu nome? Indaguei...
 Sim. É para anotar no copo. Continuou ele...
 Ah, entendi. É só para identificar meu copo...
 Sim, sim. Continuou ele, satisfeito...
 Então tá bom, escreve aí: Genésio.
Ele ainda fez mais uma pergunta: Genésio é com "Z" ou com "S"? ...
...E eu respondi: Tanto faz, esse será o nome do meu copo, não o meu. Ele não se importará com um erro na ortografia.
 O sorriso dele amarelou e eu paguei pelo meu Cappuccino a la Genésio.

 Resumo da ópera:  Ele errou na ortografia, mas eu dei uma abrasileirada no Starbucks.


Marcos Santos


18.5.12

Do chuveiro ao ralo. Enunciado do espaço-tempo. Do Bigbang ao buraco negro (E vice versa)


Do chuveiro ao ralo. Enunciado do espaço-tempo. Do Bigbang ao buraco negro (E vice versa)


Escrever é acima de tudo um ato de inspiração. O segredo para que um texto exista começa com a inspiração. Por vezes a inspiração surge durante o banho, desce pelo ralo e você não a aproveita. Em outras ocasiões você sai do banho, senta-se na escrivaninha e a escreve.

Foi observando a água que cai do chuveiro, molha meu corpo, desce até o piso e finalmente escorre para o ralo, que fiz esta analogia.
A água e todos os seus componentes partiram do chuveiro como o universo conhecido, que surgiu a partir de um ponto no espaço-tempo, conhecido como Bigbang. A partir daí circularam pelo box do banheiro, ganhando os contornos do meu corpo, os respingos pelas paredes e o empoçamento do piso, como o espaço-tempo que conhecemos naquele confinamento. Finalmente essa água fluiu para o ralo como o universo, ou partes dele, flui para um buraco negro flutuando no espaço vazio. Contudo, não flui sem antes ter algumas de suas partes trilhando caminhos mais longos, enquanto outras trilharam caminhos mais curtos, sendo que o tempo transcorrido entre elas não tenha tido relação com o tamanho de seus percursos, podendo em alguns casos o caminho mais curto ser percorrido no tempo maior, e o caminho mais longo sendo percorrido no menor tempo.

Essa analogia não resume o universo inteiro como o box do banheiro, mas apenas o universo conhecido, como tal.
O que se pretende é tratar as diversas partes do processo, anteriores ao chuveiro e posteriores ao ralo, como diversos universos distintos, com suas características e condições de espaço-tempo peculiares e particulares, tal e qual acontece com os componentes da água fluindo nas camadas mais obscuras dos trechos desconhecidos.

O fato é que toda a molécula da água existente no mundo um dia se vaporizará e atingirá os céus. Se liquefará precipitando-se na terra, onde percorrerá caminhos diversos, podendo inclusive solidificar-se congelada, para um dia percorrer todo o processo cíclico indefinidamente, nos quais podemos afirmar, nunca uma mesma molécula retornará aos seus diversos estados no mesmo tempo ou espaço.

Resumindo, os diversos universos seriam como os diversos ambientes percorridos pela água, onde cada chuveiro seria o outro lado de um ralo, assim como cada Bigbang seria a porta de saída de um buraco negro, da mesma forma que um buraco negro seria a porta de entrada para seu Bigbang correspondente.
Deste modo, o Bigbang não teria início, mas seria eterna e continuamente alimentado por seu buraco negro correspondente.

Sendo assim, a existência de Deus tanto poderia ser confirmada, quanto negada em um mesmo pensamento.
Para aqueles que em Deus creem, suas onipotência, onipresença e oniciência estariam presentes num mesmo cosmo. Neste caso, na teoria do “Chuveiro ao ralo” , Deus seria tão somente todo o universo infinito e eterno, onde nós faríamos parte dele, de maneira transitória e finita. Não poderíamos negar que “uma folha não cai, se não for da vontade de Deus”.
Para aqueles que negam a existência de Deus, a teoria do “Chuveiro ao ralo” apenas simplifica a questão de que o universo nunca teve início, sendo cíclico e eterno em sua capacidade de criar e destruir mundos, reciclando-os infinitamente. A teoria da Relatividade Geral não só estaria preservada, como explicaria a formação das diversas galáxias e sistemas estelares e planetários todos oriundos dos diversos “Chuveiros” existentes no cosmo.

As percepções de infinito e eterno devem ser colocadas como algo corriqueiro sob o ponto de vista cósmico. Nosso planeta teve um início e terá um fim. Nasceu a partir de um “Chuveiro Bigbang” e será inexoravelmente tragado por um “Ralo BuracoNegro”. Durante essa passagem, será transformado em energia pura e descomunal, gravidade pura e descomunal, espaço-tempo inexistente. Após essa passagem nosso planeta poderá voltar como poeira cósmica superaquecida, fragmentos dispersos como cometas, asteroides, ou amalgamado com outros astros, num novo espaço-tempo, diferente desse em que vivemos, onde nunca teremos acesso. Contudo, tudo isso ocorre num ambiente eterno. Onde começo e fim são relativos e fazem parte de uma reciclagem eterna e constante. 
Eternamente finito.


...Viajei no banho...

Texto e desenho.
Marcos Santos
Rio de Janeiro

7.12.11

Rivalidade

Meu amigo e cliente Rafael estava todo satisfeito. Com a camisa do Corinthians no encosto da cadeira, a toda hora virava-se e pegava a dita cuja, em seguida sacudia-a como uma bandeira desfraldada.


Banquei o besta, fingi que não havia entendido o objetivo da parvoísse e peguntei a ele:
- Ué?? virou a casaca??? Você não é mais flamenguista???
- Lógico que sou!! Isso aqui é para sacanear os vascaínos...

Tive que continuar bancando o besta:
- Deixa eu ver se entendi...Se o Felipe Massa ficar sacaneando o Fernando Alonso por este ter chegado em 4º lugar no campeonato, apesar de ele próprio ter terminado em 6º, você achará bacana?
- Seria ridículo Marcão. Respondeu ele.
-Então??? Perguntei.
-Então o que, Marcão?
- A camisa do Corinthians...Retruquei.
- Marcão, no futebol é assim. Vale a rivalidade...
- ??? Pensei.
Depois retruquei pela última vez:
- A sua rivalidade é ficar o tempo todo lembrando ao seu rival que você chegou depois dele??

Rafael fez cara de "ué", jogou a camisa do "Timão" no fundo da gaveta e ficou lá, sentado, parado, pensando na morte da bezerra...

10.10.11

Zabelinha Onze-horas

Meu amigo gosta muito das flores chamadas de "onze-horas". Outro dia ele me veio reclamando de um tipo de abelha que corta a parte inferior da flor, facilitando a acesso ao nectar.


- Veja só, essa abelha está estragando as flores. Ela fura na parte de baixo. As flores ficam feias.


Reconheço que não dei muita atenção ao assunto, pois eram apenas abelhas e flores. Nada mais natural. Mesmo assim peguei minha câmera e tirei algumas fotos das flores com suas respectivas abelhinhas.


O dia passou, eu esqueci do assunto...mas meu amigo não. 
Essa semana ele veio com ar de vitória, me informando que as abelhas não incomodariam mais suas "onze-horas" .


- O que você fez? Perguntei, imaginando que ele tivesse coberto as flores com alguma tela, ou véu...
- Taquei inseticida. Respondeu ele.


Na hora não acreditei no que tinha ouvido, pois meu amigo alimenta as sabiás soltas na natureza com uma penca de bananas todos os dias. Não é do tipo de pessoa que envenene abelhas. Mas ele fez....


Não sei se isso vale de consolo para as abelhas, mas na hora só pude argumentar para ele:


- Meu querido amigo, as plantas criam suas flores para as abelhas e para os outros insetos, não para você ou para mim. Essas "onze-horas" provavelmente querem atrair justamente esse tipo de abelha, que corta o fundo de sua flor, facilitando a queda do pólen no solo.


Ele não me deu muita atenção e só restou-me refletir sobre o assunto:
Definitivamente nós não somos desse planeta. Mesmo quando somos bons entre nós, para a natureza somos como a Medusa, cujo nosso simples olhar transforma tudo em pedra, em morte.


29.8.11

A Mídia e os Mulambos

Lamento por meus amigos flamenguistas, mas que a torcida do Flamengo é cada vez maior, graças a propaganda maciça e excessiva que a mídia faz e empurra goela abaixo das pessoas, ninguém pode negar. Esta é uma teoria minha que está sempre sendo testada e comprovada. E a coisa é feita de maneira explícita.
Vou citar alguns exemplos:


 Aos sábados, o programa Global "Estrelas" da apresentadora Angélica começa cantando "Sou Flamengo e tenho uma nega chamada Teresa", da música "País Tropical" de Jorge Ben. Gosto dessa música, gosto do Jorge Ben, mas que essa música foi composta numa época em que o contexto era outro, em que as cifras envolvidos eram bem inferiores às multimilionárias de hoje...isso lá era.
Com essa simpatia irradiante, que criança não quer torcer para o Flamengo?

No domingo de manhã, dia do clássico Flamengo x Vasco, o programa Esporte Espetacular dedicou boa parte de seu tempo para encher a bola do Ronaldinho Gaúcho. Vamos combinar, mas o Tiago Neves carregou o dentuço nas costas durante meses e não houve esse tipo de apelo para ele. Também acho que o Gaúcho esteja jogando bem, mas não é isso tudo que querem vender para nós...mas como há muita grana envolvida nessa estadia dele por aqui, esse comportamento da mídia é compreensível...É deplorável, mas é compreensível.
Até aqui, as criancinhas querem ser tão lindas quanto o Ronaldinho. 


Durante o mesmo jogo Flamengo x Vasco, a torcida Rubro-Negra fez o coro "Uh, Vai morrer!" enquanto o treinador Ricardo Gomes lutava pela vida e era atendido por para-médicos depois de sofrer um derrame cerebral. Nesse momento a mídia, defendendo seus interesses em agigantar a torcida flamenguista, calou-se. Uma notinha aqui, outra acolá, geralmente em blogs, foi o que se pode ler sobre esse comportamento repugnante, marginal. Nesse caso, o Flamengo e sua torcida passaram incólumes, sem sofrem nenhum arranhão em sua imagem de "Sensacionais". Eu morreria de vergonha...aliás, estou morrendo de vergonha só de imaginar que esse tipo de gente está circulando na minha cidade, fazendo pose de bacana. Gente de princípios e moral extremamente duvidosos. 
Esses são os mulambos que eu conheço.
Disso...bem..., disso as criancinhas não ficaram sabendo.


Não acho que o Flamengo tenha algo a haver com esse comportamento, mas que ele, como entidade econômica, se beneficia da super-exposição positiva de sua torcida, não tenho dúvidas. Basta ver que a fatia recebida pelo mesmo Flamengo, pelos direitos de transmissão dos jogos, é bem maior do que de outros clubes do mesmo porte e com investimentos iguais ou maiores do que os dele.


Enfim, este é apenas um registro meu. Uma impressão que tenho dos fatos a minha volta. Gosto de futebol, mas preferia o futebol dos tempos em que qualquer jogo do América trazia mais de 60.000 pessoas ao Maracanã. Do tempo em que a divisão das informações não era feita na proporção das cifras milionárias. E notem que eram tempos de ditadura.


Marcos Santos

9.4.11

Alô Alô Realengo

Hoje recebi um email de meu amigo de infância Renato. Ele lamentou a entrada de nosso bairro no mapa das tragédias mundiais. Foi lá que um "maluco sem causa" trucidou crianças inocentes a queima-roupa. Realengo.
De repente lá estava Fátima Bernardes, Ana Paula Padrão, Luiz Bacci...Toda mídia impressa , eletrônica, radiofônica...

Um dos bairros mais antigos da cidade, Realengo sempre existiu como uma espécie de zona invisível. Um bairro que não existe. Um limbo espacial onde o poder público, imprensa e as populações de outros bairros mais nobres faziam questão de imaginar sua inexistência. Conheço pessoas que omitem sua origem no bairro. São pessoas sem passado e de história incompleta.
Mas foi exatamente de lá, desse local muito real para nós, desse "borrão no mapa" para os outros, que uma tragédia de proporções mundiais arrebatou e ceifou a vida de crianças inocentes. E também foi a partir de lá que sua gente simples foi exposta ao mundo.
O lugar onde nasci e passei minha infância, jaz moribundo, ferido de morte. Surge para a vida aos olhos dos outros em seu momento mais trágico, em seu momento de dor e sofrimento.

Se a partir de agora as autoridades darão mais atenção àquela região eu não sei. Só sei que se o preço a ser pago por essa atenção é esse...por favor devolva-nos ao limbo. Devolva-nos nossas crianças.

Marcos Santos
Rio de Janeiro


Em tempo:  A frase "Alô Alô Realengo" da música "Aquele Abraço" de Gilberto Gil, não é uma saudação ao povo de Realengo. Na verdade é uma frase de provocação aos militares dos quartéis situados nos bairros próximos.

25.3.11

A Dengue e o Jaleco


Em meio a uma quantidade enorme de mortes por dengue, um número assusta:  O da dengue não diagnosticada. Todos os dias vemos relatos de pessoas queixando-se de diagnóstico errado. Um doente com dengue está sempre correndo o risco de ter sua doença diagnosticada como virose, garganta inflamada, gripe...enfim. Mas nossos valorosos médicos tem algo mais importante com o que se preocupar.
Em 120 dias, entra em vigor na cidade de Belo Horizonte, a lei que proíbe o uso indiscriminado de jalecos fora do ambiente de trabalho. Os médicos estão pulando e contestando contra essa "polêmica" lei. Coloquei o "polêmica" entre aspas por entender, tanto quanto os médicos, tratar-se de uma lei desnecessária. Embora não seja pelo mesmo motivo dos "doutos".

Tenho um filho que passou boa parte de seu primeiro ano de vida dentro de uma UTI. Nesse período observei alguns dados interessantes a respeito do comportamento dos médicos (lamento amigos, se estou generalizando, pois minha experiência foi obtida através de amostragem in-loco). Deixem-me começar:

O estudante de medicina normalmente entra nessa carreira para seguir os passos do pai, ou da mãe, médicos realizados (com poucas exceções). Assim tem ocorrido ao longo do último século e entrando no século atual. Nesse período, uma parte fundamental do trabalho médico foi ficando para segundo plano. O ser humano.
De um modo geral, médicos não gostam de lidar com gente. Eles não tem paciência com os simples mortais. Essa impaciência pode ser facilmente relatada por tantas pessoas quantas forem pesquisadas. Todas, mas todas as pessoas que conheço tem alguma reclamação quanto ao descaso recebido de algum doutor.

Geralmente os jovens estudantes de medicina levam em consideração o status social que a carreira oferece.
Um dos maiores símbolos desse status, quase como um outdoor piscante, é o jaleco. Médicos adoram desfilar com suas camisolinhas bem branquinhas. 
Na hora do almoço gostam de andar em bandos, como pombos. Eu costumo dizer que pombos são ratos com asas, tamanha é a quantidade de doenças que transmitem. Esses jalecos, embora representem a nobreza empafiosa da profissão, carregam consigo toda a "acepcia" do asfalto e dos ralos, todo o pó que cai dos bandos voadores, diurnos como os pardais ou noturnos como os morcegos.
Mas convenhamos, quem está atrás de status social  nunca estará interessado na pereba do João Ninguém da Esquina. 
Imagine aquele estudante orgulhoso de suas relações sociais, tratando do bicho-de-pé infeccionado de um pobre coitado. Consegue imaginar? Nem eu. Se o fizerem tenham certeza que o fazem com nojo.
De repente se vier uma gatinha com o tornozelo torcido eles até se animem, desde que não complique demais

Mas o importante na profissão de médico é ser chamado de doutor. Alguns até investem na profissão. tornam-se mestres, doutores de mestres, PHD's. Mas normalmente esses cursos e especializações fazem parte de um pré-requisito para uma promoção na carreira, culminando com uma melhor aposentadoria, principalmente se for no setor público. Eu não vejo nada demais em se querer melhorar de vida, mas o problema é que nesses casos, normalmente quem está do outro lado dessa linha, nas filas dos hospitais e postos de saúde, não entra na conta de chegada. Essas pessoas são a parte ruim da história. A parte azeda do bolo. Aquele cravo chato que habita sob a sola de nossos pés.

Pois é...e a dengue está matando por falta de paciência em prevenir o diagnóstico. Afinal, como já diz o nome, dengue vem de dengo. O paciente fica dengoso, manhoso. Se os médicos não tem saco para aturar pobre, imagine aturar pobre dengoso.

Mas deixa prá lá. Contanto que a classe médica continue desfilando seus lindos e resplandecentes jalecos por todos os cantos das cidades, a dengue é o que menos importa.

Porque eu considero a lei do jaleco desnecessária? Se eles fossem realmente Médicos deixariam seus uniformes num lugar adequado e limpo. Uma boa maneira de proteger seus pacientes e a si próprios, independentemente de leis.

Marcos Santos
Rio de Janeiro

5.2.11

Melhor Idade

Mal fui chegando e Argel já veio argumentando...
- Ela fica toda nervosa. Confundiu o dia do exame com o horário. Era 10:00 horas do dia 8 e ela pensou que era 8:00 horas do dia 10. Agora estou ligando para a doutora. Quero ver se ela pode atender a Amália hoje. Mas ninguém atende o telefone...

Confesso que não prestei muita atenção aos detalhes da conversa, pois acabara de chegar e sair do carro. Mas ao ver dona Amália toda arrumadinha e andando de um lado para o outro, entendi que era um compromisso marcado e que estavam atrasados.
Argel e Amália formam um querido casal octogenário de amigos que tenho. Sinto-me como se fosse da família deles.

Mas Argel continuava sua ladainha, colocando a culpa em Amália pela perda do dia da consulta médica...
- Agora não adianta ficar nervosa. Estou tentando ligar para ela...Mas que droga! Ninguém atende no consultório...

Entre idas de vindas de Amália pelos cômodos da casa, consegui ouvir uma conversa que demonstrava o quanto ambos estavam nervosos.
- Amália, desisti de ligar para o consultório, vamos tentar a sorte de irmos sem marcar mesmo. Enquanto me arrumo, por favor regue as plantas.
Amália, já arrumadinha, de pronto pegou a mangueira e partiu na direção das plantas e...
- Mas já estão molhadas, você já regou todas... Esse homem tá ficando maluco. Ainda me deixa mais nervosa.

Por último, Argel veio em minha direção, ainda abotoando as calças. Ele ainda me faria uma última queixa de Amália, antes da saída para o consultório da Doutora.
E mostrou-me a receita médica com a marcação da consulta.

- Olha só, está marcado 10:00 horas do dia 8 e não 8:00 horas do dia 10, como ela havia me dito. Ela confunde tudo. Assim fica difícil visitar a doutora...

Eu olhei aquele papel e verifiquei que ele tinha razão em afirmar que a consulta estava marcada para o dia 8 às 10:00, mas só tinha mais um problema que ele não notara e eu tive que contar-lhe.

- Argel, hoje é dia três. Vocês estão adiantados.

Ele ficou quieto por uns instantes e em seguida correu em direção à esposa.
- Amália, Amália, escuta essa, hoje é dia três...

Enfim, essa não é a melhor idade? 
Eu Adoro.


Marcos Santos

24.1.11

Celular

-...Vai pegar o que?
Olha Beltrano, eu arrendei o buteco pro Cicrano por mil conto por mês, mas tudo o que tá lá é meu.


- bzblbzbzbzl bzbzlbbz bzbzlbbl...


- Não meu irmão, eu sô teu amigo, mas se você pegá qualquer coisa de lá, vai tá tirando de mim."


- bzbbbzbzzl bzzbbllzbzbz bbbbz bblz...


- Não, eu não quero teu prejuízo, mas eu arrendei o buteco com tudo dentro. Ele não tem nada lá. Se tá te oferecendo e você pegá, vou dá parte de você na delegacia. Tudo o que tá lá dentro é meu. As geladeira, o fogão, as estufa...tudo é meu. Ele não pode te oferecê nada.


- bz bzbz bbzb bzbzbzzbbz, bzbz!...


- Irmãozinho, dá teu jeito de recebê, mas sem pegá nada meu.


- Bzzznnznzznnnfdsm zmzmmsmsmzmz...


- Então vão fazê o seguinte: Eu tô ino pra Bangú agora. A gente se encontra lá pra cunversá.


- bzbbzjcj bbzbz...


- Tá tranquilo, a gente se fala quando eu chegá.


- bbzbzl...


- Outro.

Essa história não tem nada a haver comigo. Aliás, eu nem precisaria saber dela. 
Na verdade eu não queria conhecer essa história, mas eu conheço.
O resumo é óbvio e simples de deduzir.
Então vamos lá:
Um sujeito alugou ou arrendou um bar por uma mensalidade de R$1.000,00 para o Cicrano, alegando que Cicrano tinha feito um excelente negócio e que ganharia no mínimo R$ 15.000,00 por mês no estabelecimento.


Cicrano por sua vez, além de não ganhar dinheiro com o pé sujo arrendado, não consegue pagar nem as contas, nem seus fornecedores. O único que recebe R$ 1.000,00 por mês é o "Mala do Senhorio" que lhe fez o arrendamento da espelunca.


Já Beltrano, é um desses fornecedores que sofrem com a inadimplência de Cicrano e está tentando receber algo, mesmo que seja uma geladeira velha e cheia de baratas.


Quanto ao "Mala do Senhorio"?
É o camarada que gritava ao celular com Beltrano, enquanto eu aguardava na fila do banco.


Marcos Santos

17.1.11

Déjà Vu

Um ano depois e a coisa se repete. A tragédia do homem, a tragédia do ser humano, as diversas tragédias da sociedade. Mas o curioso foi a sensação de déjà vu. Por isso vou repetir exatamente o mesmo texto que postei a exatamente um ano atrás. 
Eu o intitulei de "Heróis":

Rio de Janeiro 16 de janeiro de 2010. 
Eu caminhava entre o banheiro e a cozinha, já no encerramento dos “trabalhos” daquela noite. Cruzei a sala. A tevê ainda ligada, me aguardava para que eu desse o click final no controle remoto. 
Enquanto bebia meu último copo d’água de um dia bem calorento, pude ouvir a voz do consagrado jornalista: “Vamos ver o que nossos heróis estão fazendo...”. 
Heróis? Pensei... De cara me veio em mente nossos valorosos bombeiros, mal saídos da  tragédia de Angra dos Reis, para serem enviados diretamente ao Haiti devastado. É... Esses são realmente nossos heróis.
Mas o consagrado jornalista falava, na verdade, de outro tipo de herói. Não o herói que nos enche de orgulho, que honra a nossa história. Não o herói, ou heroína como Zilda Arnz, que viveu para a entrega ao próximo, ao semelhante.  
Na verdade eram “heróis”, agora sim, entre aspas, que vivem tão somente para receber. “Heróis” capazes de passar dois meses sem fazer absolutamente nada para ninguém. Nada que não sejam intrigas, futricas, banalidades, futilidades...
A vida é feita de escolhas. Algumas pessoas, como o povo atingido pelo flagelo no Haiti, dispõe de pouquíssimas ou nenhuma. Mas existem aqueles que têm a glória de dispor de várias escolhas. Escolhas essas que, aliadas à sorte e ao talento, podem levá-las onde elas quiserem. Ao caminho da honra, da nobreza, do reconhecimento, da consagração pessoal e profissional.
Pedro Bial fez sua escolha.
Se diante dos fatos e desafios apresentados à humanidade, ele prefere rasgar sua biografia e comentar a tamanho da bunda de uma “brother”, ou a relevância do selinho de duas “bibas”...bem... quem perde é a sociedade como um todo, mas a escolha é apenas dele, somente dele.
...E eu com isso?  Eu sinto vergonha, uma profunda vergonha.
O dinheiro é importante, mas não é tudo.
Foto: Vanderlei Almeida/AFP (Notícias Terra - Tragédia da Região Serrana)


...E então?  Passado esse ano, como está a sua sensação de déjà vu?

8.10.10

Tradição

"Tradição (do latim: traditio, tradere = entregar; em grego, na acepção religiosa do termo, a expressão é paradosis παραδοσις) é a transmissão de práticas ou de valores espirituais de geração em geração, o conjunto das crenças de um povo, algo que é seguido conservadoramente e com respeito através das gerações.
A tradição e sua presença na sociedade baseiam-se em dois pressupostos antropológicos:
a) as pessoas são mortais;
b) a necessidade de haver um nexo de conhecimento entre as gerações."...


Não há dúvidas de que a tradição vai muito além dessa breve definição, preguiçosamente copiada da Wikipédia.
Para nós mortais, religiosos ou não, o significado de tradição passa por castas, famílias, classes sociais...Enfim, por todos aqueles que, de alguma forma consideram-se especiais diante dos outros pobres mortais. Aliás, mais pobres e mais mortais do que eles próprios.

A família entra como um parágrafo a parte quando o assunto é tradição. Algumas famílias sentem-se mais tradicionais do que outras. A escala de medida não é bem clara, mas mesmo assim elas conseguem diferenciarem-se, qualificando a si próprios, enquanto desqualificam os outros.

Alguns enchem a boca para pronunciar seus sobre-nomes italianos: "Antognoni", "Farfareli", "Fidelini", "Falconieri"...Na verdade descendem de pobretões que vieram ocupar com grande vantagem e incentivos, os lugares deixados pelos pobres escravos negros, largados na sarjeta. Embora não conhecessem nada do riscado da cafeicultura, eram mais branquinhos e bonitinhos do que aqueles "crioulos horrorosos" (Não consigo enxergar outro motivo para tal sacanagem). Já há outros que capricham no biquinho para pronunciar "Fechecler", "Abajour"...Enfim, tradicionalíssimos de grande e nobre estirpe.

Mas existem aqueles que, inconformados com sua falta de "berço", não exitam em apelar ao casamento, na busca incansável da "tradição". Nesse caso, vai aí a possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Afinal, linhagem é linhagem, não importando se o acesso à "tradição" se dá pela entrada da frente ou pela saída de trás.

O meu caso não foge a essa regra.
Totalmente sem tradição, minha família teve seu início a partir de um português sem sobre-nome.
- Qual o seu nome meu senhor?
- Antônio José...
- Mas Antônio José de quê?
- Antônio José de nada ó pá.
- Antônio José de Nada é o nome completo? O sobre-nome é "Nada"?
- Não, o sobre-nome é nenhum.
- Afinal, qual o seu nome completo?
- Ó pá, é Antônio José e ponto final, mas sem escrebere o "ponto final". Está bem entendidinho?
- Então vamos tentar a sua filiação. Nome do seu pai?
- José Antônio.
-...De quê?
- Só isso
- ?!? Tá de sacanagem portuga? Nem quero saber o nome de sua mãe.


Não preciso dizer que hoje, alguns de seus decendentes retorcem-se na busca de alguma junção matrimonial que os "tradicionalize". Outros tentam desesperadamente arquitetar algum sobre-nome que se encaixe na história de meu avô. Teria sido Pato? Ou Pereira? Quem sabe Oliveira?

De onde veio, de que família pertencia, onde nasceu...Dele só se sabe que era um tripeiro. Não no sentido tripeiro, nascido no Porto (para quem não sabia dessa, vale a curiosidade), mas o tripeiro que vende tripas, miúdos do boi...não os miúdos no sentido dos "filhos dos bois portugueses", mas no sentido das vísceras do bicho.
O que se sabe é que, aproveitando-se de uma época em que o homem da casa não tinha satisfações a dar, meu avô iniciou a família "José Ninguém".
...E assim espalhou suas sementes pelas terras brasileiras, mais precisamente em Turiaçú, entre Madureira e Rocha Miranda, no subúrbio do Rio de Janeiro.

O que se fala sobre Antônio, dá conta de um bom homem, trabalhador honesto e pai dedicado, mais nada (o que já me basta).
Sua cidade portuguesa de nascimento segue como uma incógnita. Suas reconhecidas presteza, bondade e simpatia, de certa forma o protegeram de especulações maldosas, que certamente seriam feitas a respeito de sua reduzida alcunha.
Mas eu, como descendente e herdeiro de sua cepa, por direito de neto, serei inconseqüente e arriscarei em especular:
Teria Antônio José emprenhado alguma galega e partido para o Brasil, abdicando do sobre-nome para não ser localizado por um pai furioso?
Faz sentido...
Ou tudo isso, mas no lugar do pai furioso, um marido traído?
Faz mais sentido ainda...
Ou teria dado um calote na praça lusitana e fugido para o Brasil de modo a usufruir dos benefícios do golpe?
Considerando sua vida inicial em Turiaçú, num canto da casa que minha avó dividia com suas irmãs...Se foi golpe, foi mal sucedido.

A verdade mesmo de toda essa história, é que o bom Antônio José construiu uma família sem nenhuma tradição. A família "José Ninguém", cuja maior tradição é exatamente essa...Não ter tradição alguma.
Então? Vamos continuar assim? Vamos manter nossa tradição secular?

Enfim...Tradição é isso.


Marcos Santos

Fotografia: Gravura sobre a tradição em família, de Gordon Lawson

14.8.10

Educação Inclusiva

Minha sobrinha pediu-me auxílio a respeito desse tema. Afinal, como pai de um menino com paralisia cerebral e perdas cognitivas severas, além de cego e cadeirante, seria natural o meu conhecimento a respeito do caso. Sei que minha opinião não é válida para trabalhos acadêmicos, principalmente por não constar da bibliografia vigente. Mas sei que minha opinião não é especulativa e não brota de teorizações ou ilações. Brota de minhas necessidades e observações do dia a dia.

Antes de tudo, vamos deixar claro que a pessoa com necessidades especiais é uma pessoa com deficiências. Essas deficiências podem ser motoras, visuais, auditivas, mentais... Então vamos chamar a pessoa com necessidades especiais, simplesmente de “deficiente”. A expressão “pessoa com necessidades especiais” é por demais hipócrita, piegas e não resolve o problema.

Todo cidadão tem direito à educação, seja ele deficiente ou são. Quando o estado preocupa-se, tentando viabilizar a educação dos deficientes, está na verdade, tentando cumprir com sua obrigação, educar o cidadão. Não há aí, no caso do cumprimento de metas educacionais, motivos para vangloriar. A educação especial inclusiva trabalha principalmente com ferramentas possíveis, ao alcance da unidade de ensino e do educador. No entanto, a educação verdadeiramente inclusiva (no meu modo de pensar), totalmente negligenciada por todos, é a educação inclusiva de toda a sociedade.

Por exemplo: Um deficiente, tendo recebido toda educação necessária para sua participação no mercado de trabalho, esbarra na falta de educação inclusiva do resto da população. No contexto dessa falta de educação, podemos incluir o próprio estado, que pouco faz e quando faz algo, o faz em tom de paternalismo.

Arquitetos, engenheiros, urbanistas, entre outros construtores, só iniciaram uma preocupação mais incisiva com a acessibilidade, devido a força da lei. Ou seja, na verdade o fizeram por imposição, não por ideologia social ou convicção.

A educação especial, aplicada ao deficiente, inclusiva ou não, poderá ter sua efetivação limitada pelo grau de deficiência, associado ao grau de determinação e empenho do mesmo, ambos associados ao tipo de função almejada.

De qualquer forma, mesmo obtendo êxito educacional ou profissional, o deficiente esbarrará no seu dia a dia, na falta de educação inclusiva do resto da população.

Quando vemos cones, correntes, entre outros tipos de barreiras, protegendo as vagas de especiais para automóveis, nos shoppings e nos supermercados, temos aí um dos grandes indicadores da falta de educação inclusiva da sociedade como um todo, de como a sociedade é egoísta e excludente.

Se levarmos em conta que essas barreiras existem para a proteção dessas vagas, contra o abuso de pessoas sãs, possuidoras de carros, não podemos desconsiderar o nível econômico e educacional dessas pessoas. Elas estão na parte de cima da pirâmide.

Essas são as mesmas pessoas, que por algum momento na vida, tiveram seus filhos e sentiram as dificuldades dos deficientes, ao empurrarem seus carinhos de bebês. Nesse período sentiram-se prejudicadas em seu direito de acesso. Mas logo os filhos crescem, os carrinhos de bebês são aposentados e esses pais estão prontos para burlar o direito dos outros, deficientes que continuam precisando das vagas especiais e infelizmente, dos cones para guardá-las. Fôssemos uma sociedade inclusiva, esses cones não existiriam. Não com essa função.

A educação inclusiva deve ser reavaliada e rediscutida, pois uma sociedade inclusiva inclui os excluídos, enquanto uma sociedade excludente jamais incluirá os excluídos, por mais educação inclusiva que estes venham a receber.

O ser humano deve aprender a incluir os diferentes desde criança, independente da convivência ou não com eles. Somente assim, com uma sociedade menos egoísta e mais fraterna, a verdadeira inclusão será alcançada.


Marcos Santos
Rio de Janeiro

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