Estava lendo “A Última Crônica” do saudoso Fernando Sabino, quando me recobrei de crônicas que escrevi na memória e que nunca tive a iniciativa de colocar no papel.
Sabino, sabido que era, colocou tantas quantas pôde e recompensa foi essa. Como morreu criança, no dia dela ele foi enterrado, eternizando em sua lápide uma de suas frases favoritas, de que “Nascera Homem e Morreria Criança”.
O Fernando nunca deixaria escapar de sua caneta e papel, amigos inseparáveis que eram, aquela cena urbana, que mesmo sem ser cotidiana, reflete o que somos e como somos.
Mesmo sob sol escaldante de verão de meio dia, aquele carro era seu único alento. Alheio a todo movimento do Centro do Rio, o “menino de rua”, negro como carvão, repousava em sono profundo sob o capô vermelho do veículo, que obviamente não era dele.
Diante da indiferença da população transeunte, fiquei observando aquela cena, enquanto o sinal não abria, e sinceramente me veio uma empáfia de achar que somente eu tinha a sensibilidade de enxergar algo tão incrivelmente triste e ao mesmo tempo tão belo, naquele quadro.
Como se, de toda aquela gente passante, apenas eu tivesse sido ungido de sentimentos e sensibilidade.
Foi quando me dei ao direito de tentar penetrar no universo do negrinho. Teria ele cheirado cola ou outro tipo de substância nociva ?
Ou apenas estava cansado de garimpar esmolas ? Talvez estivesse apenas fazendo a sesta do almoço.
A verdade é que ali estava um ser humano criança, demonstrando toda plenitude de sua inocência e fragilidade. Ao mesmo tempo, toda crueldade de uma Sociedade que se consome por si só. Que tem capacidade de temer a abordagem de uma criança desassistida e ao mesmo tempo, achar que a mesma criança pode dormir sozinha no meio da rua, debruçada num carro, sob Sol a pino.
A esta altura do meu raciocínio, o sinal dos pedestres começou a piscar.
Eis que surge, furtivamente, do outro lado da rua, um fotógrafo, obviamente munido de sua câmera fotográfica, e eterniza para si aquela cena impressionante.
...O sinal abriu e tive que ir embora.
Não conheço aquele profissional.
Sequer lembro de sua cor, se era preto, branco ou mulato.
Mas tenho certeza do seguinte, a minha empáfia arrogante foi por terra no clicar da câmera daquele homem, embora, de certa forma, compartilhe este momento com ele.
Ele, certamente, já tem a foto revelada há muitos anos.
Quanto a mim ?
...Somente agora tive o desprendimento de revelá-la.
...Ah, e quanto ao Sabino ?
... Provavelmente teria sido mais rápido do que o fotógrafo.
Sabino, sabido que era, colocou tantas quantas pôde e recompensa foi essa. Como morreu criança, no dia dela ele foi enterrado, eternizando em sua lápide uma de suas frases favoritas, de que “Nascera Homem e Morreria Criança”.
O Fernando nunca deixaria escapar de sua caneta e papel, amigos inseparáveis que eram, aquela cena urbana, que mesmo sem ser cotidiana, reflete o que somos e como somos.
Mesmo sob sol escaldante de verão de meio dia, aquele carro era seu único alento. Alheio a todo movimento do Centro do Rio, o “menino de rua”, negro como carvão, repousava em sono profundo sob o capô vermelho do veículo, que obviamente não era dele.
Diante da indiferença da população transeunte, fiquei observando aquela cena, enquanto o sinal não abria, e sinceramente me veio uma empáfia de achar que somente eu tinha a sensibilidade de enxergar algo tão incrivelmente triste e ao mesmo tempo tão belo, naquele quadro.
Como se, de toda aquela gente passante, apenas eu tivesse sido ungido de sentimentos e sensibilidade.
Foi quando me dei ao direito de tentar penetrar no universo do negrinho. Teria ele cheirado cola ou outro tipo de substância nociva ?
Ou apenas estava cansado de garimpar esmolas ? Talvez estivesse apenas fazendo a sesta do almoço.
A verdade é que ali estava um ser humano criança, demonstrando toda plenitude de sua inocência e fragilidade. Ao mesmo tempo, toda crueldade de uma Sociedade que se consome por si só. Que tem capacidade de temer a abordagem de uma criança desassistida e ao mesmo tempo, achar que a mesma criança pode dormir sozinha no meio da rua, debruçada num carro, sob Sol a pino.
A esta altura do meu raciocínio, o sinal dos pedestres começou a piscar.
Eis que surge, furtivamente, do outro lado da rua, um fotógrafo, obviamente munido de sua câmera fotográfica, e eterniza para si aquela cena impressionante.
...O sinal abriu e tive que ir embora.
Não conheço aquele profissional.
Sequer lembro de sua cor, se era preto, branco ou mulato.
Mas tenho certeza do seguinte, a minha empáfia arrogante foi por terra no clicar da câmera daquele homem, embora, de certa forma, compartilhe este momento com ele.
Ele, certamente, já tem a foto revelada há muitos anos.
Quanto a mim ?
...Somente agora tive o desprendimento de revelá-la.
...Ah, e quanto ao Sabino ?
... Provavelmente teria sido mais rápido do que o fotógrafo.
Marcos Santos
Rio de Janeiro, 12 de outubro de 2004. Dia do sepultamento de Fernando Sabino
Um comentário:
Querido Marcos, em seu texto sobre Sabino, eu também digo: quero morrer criança e continuar assim do outro lado... Onde entendo que o resgate da inocência, mesmo que seja em parte, porque totalmente não é mais possível, faz falta a este mundo. Beijos.
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