13.4.08

COROA GRANDE E O PÉ DE PATO PRETO

Coroa Grande é um Distrito do Município de Itaguaí. Lá passei a maioria das férias e feriados da minha infância.


Praia de fundo de baía, Coroa Grande não é aquilo que se possa chamar de “a praia”, com a boca aberta ou com os pulmões a pleno. Estava longe de ser uma Ipanema ou Leblon, praias da moda na época.
A maré estava sempre baixa, expondo o fundo de lodo e lama do mar. Era comum andarmos pelo menos uns cinqüenta metros ou mais, com a lama na altura da canela, até chegarmos na arrebentação, que na verdade não arrebentava nada. Quando muito, uma marola com meio metro de profundidade, o que proporcionava, invariavelmente, arranhões na barriga devido ao atrito com as conchas e os detritos de lixo depositados no fundo.
Ao mergulharmos, a água turva como chocolate ao leite, nos permitia uma visibilidade de uns dois centímetros, o que deixava claro a preferencia por um mergulho de olhos fechados.
No entanto, para mim, “Coroa” como nós a chamávamos, era um paraíso.
Paraíso dos sapos-bois e do “Macaquinho” (apelido carinhoso dado ao trem de madeira). Paraíso das valas abertas, proporcionando o assédio sexual das libélulas (que para mim continuam lavadeiras). Paraíso da poeira e da bananeira, do mosquito e da lamparina, da esteira de palha e do bloco de gelo, da água salobra e da falta de banho. Mas eu, na minha inocência infantil, adorava.

Muito antes de se ouvir falar em ecologia e crescimento sustentável, Coroa Grande já se via às voltas com a falta de saneamento, mas numa boa, sem maiores crises. Os “marujos” boiavam tranqüilamente no mar e tudo bem. Fazia parte da rotina e ninguém se incomodava. O único cuidado ecológico tomado a respeito do assunto era mergulhar de boca fechada.
De vez em quando nós víamos alguns desses “navegadores” na cabeça ou no ombro de algum mergulhador desavisado... . Tranqüilo e sem estresse o prudente banhista dava mais um mergulho e pronto, o “almirante” seguia seu caminho sem maiores traumas.

Era comum a maré encher já no finalzinho da tarde. E nessa hora os verdadeiros heróis surgiam para dar aqueles sensacionais mergulhos acrobáticos.
Normalmente o sujeito tomava uma certa distância do mar e num dado momento iniciava uma verdadeira arrancada em direção à glória.
A areia não ajudava muito, mas os bravos, normalmente tentando impressionar alguma beldade, enfrentavam com coragem todo o tipo de intempéries oferecidas. E numa verdadeira corrida alucinante de obstáculos, em que faziam parte os tropeços em espigas de milho, latas velhas enferrujadas, garrafas de cachaça que Iemanjá devolvia, pedaços de paus, tijolos e um ou outro marisco abandonado, finalmente nosso guerreiro saltava para a água, numa barrigada triunfal.
A “princesa”, normalmente vestida com aquele biquinão de elanca, num sinal de orgulho e aprovação, juntava-se a ele no fundo e ali ficavam, juntinhos, meio que namorando.

Certa vez, num de meus mergulhos "táteis", encontrei algo diferente de todo o lixo rotineiro. Era um pé-de-pato. Não um par, mas um só pé, que por incrível que pareça era de um modelo infantil e no tamanho exato do meu pé esquerdo. Acho que esgotei toda e qualquer possibilidade de um dia ganhar na loteria, pois encontrar um pé-de-pato infantil, no meu número, de cor preta, no meio daquele lodaçal de mesma cor..., foi com certeza um bilhete premiado às avessas, um desperdício monumental de sorte. Mas eu adorei.
Era véspera de Natal e aquele achado superou em muito o presente titular de Papai Noel, fosse lá ele qual fosse. Tanto que minha memória fez a gentileza de apaga-lo, mantendo guardado na lembrança, só e somente só, o meu primeiro, único e durante um bom tempo inseparável, pé-de-pato preto.


Marcos Santos
Rio de Janeiro

fotos internet.

7 comentários:

Beatriz Lo Russo disse...

Suas memórias, sempre gostosas de ler!!! Adorei, como sempre!
Beijos Bia

Anônimo disse...

Que texto lindo, Marcos.
Visite o blog Floral friends onde homenageio os amigos.
O gato vai ter sua vez!!

beijos

Daniel J Santos disse...

Excelente esta memoria, toda o envolvente, as imagens, muito bem.

Só- Poesias e outros itens disse...

Belo presente de natal.
Um objeto simbólico para sua memória.
Belo lugar para voltar a infância.

bjs.

JU Gioli

Kimmie disse...

Beauty is in the eye of the beholder. You loved your paradise, that is all that matters. Thank You for sharing a piece of your childhood, it touched my heart.
Smiles,
Kimmie

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Oi, só lembrando que amanha 18 de Abril tem a Blogagem Coletiva “O que voce faz para acabar com o analfabetismo no Brasil?”

Abracos

Madalena Barranco disse...

Marcos, amigo, sempre há um tesouro que vem do mar... Mesmo que seja um pé de pato – hehehe! De qualquer forma invejo as crianças que têm a praia como diversão, porque aqui em SP, a praia fica para os sonhos das férias. Beijos.

Bom dia. fotografia, natureza, NatureBeauty, riodejaneiro, recreiodosbandeirantes, photooftheday, photography